Ler, Ver e Comer | 11 de Jan de 2018 - 04h01

Distopia encontra realidade

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O escritor anglo-indiano Salman Rushdie, famoso por sido ameaçado de morte por fundamentalistas islâmicos após publicar o seu mais famoso livro, “Os Versos Satânicos”, na década de 1980, sempre recorreu ao realismo fantástico nas suas obras. A anterior tratava gênios da lâmpada como super-heróis e guardiões da paz num mundo paralelo. Bom, mas o choque de realidade, trazido à tona com a eleição de Donald Trump, serviu para que Rushdie decidisse abandonar o imaginário e passasse a escrever sobre o mundo real, não que ele também não tenha seu lado de distopia.
Isso fica claro em “The Golden House”, ainda inédito no Brasil, mas deve ser lançado aqui ainda este ano. O livro, eleito um dos melhores de 2017, conta a história do bilionário indiano Nero Golden, que decide se autoexilar em Nova York com seus três filhos. Lá, eles encontram como vizinho o cineasta René, que fica amigo da família e decide fazer um documentário sobre eles.
A proximidade de Réne, que se torna o narrador da trama, faz com que a família, aparentemente fechada e cheia de segredos, passe a se abrir, especialmente depois que o patriarca decide se casar de novo com uma modelo russa bem mais nova que ele. Após isso, os filhos começam a abandonar a casa, e a enfrentar a dura realidade da sociedade americana da atualidade.
Todos os filhos de Nero têm sérios problemas de relacionamento. D (isso mesmo,  o nome dele é só uma letra), o mais novo, começa a questionar a sua sexualidade, se ele é homem ou mulher, ou “uma mulher com pênis”, como escreve Rushdie. O livro envereda pelo debate das questões de gênero de forma corajosa e sem levantar bandeira.
Apu, o filho do meio é um artista meio bon vivant, que não se adapta completamente aos EUA, e acaba voltando à Índia, onde descobre a razão da fuga do pai e acaba sofrendo graves consequências por isso. O filho mais velho, Petya, desenvolve agorofobia, e, incompreendido pelos irmãos, acaba tendo que provar sua superação, mas também com graves consequências.
Todos os livros de Rushdie mexem com a questão do livre arbítrio, de como são as pessoas que fazem as escolhas que lhes dão alegrias ou grandes desgraças. Em “The Golden House” não há final feliz. A dura realidade da eleição de Trump influenciou o autor para que ele se mostrasse mais pessimista, e usasse o livro para mostrar a importância de fazer as escolhas certas. Trump até aparece no livro, retratado como um candidato fictício à presidência que se parece o Goringa do Batman. Mais uma triste alegoria para mostrar a que ponto chegamos!