Reportagem | 06 de Fev de 2018 - 06h02

Fora do mapa

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Conjunto Zé Dutra: sem CEP, não há entregas


O pedreiro desempregado Edson Marinho decidiu abrir uma pequena borracharia na frente de sua casa no Conjunto Senador José Eduardo Dutra, na Zona Norte de Aracaju. Essa foi a maneira que ele encontrou para não ficar sem renda e conseguir pagar a contas. Além de se preocupar para juntar dinheiro com o orçamento apertado mês a mês, Edson passa por um transtorno quando precisa quitar a fatura do cartão de crédito que utiliza. Como não há serviço dos Correios onde mora, o pedreiro precisa ir até uma lan house para conseguir imprimir a segunda via do boleto.
 
“Aqui não entra carteiro. A gente tem que depender da boa vontade de amigos que tem internet no celular ou vai na lan house para poder baixar as faturas. Sem CEP, ninguém existe aqui. A população já reclamou, mas a prefeitura nunca olhou para isso”, reclama Edson. 
 
Essa realidade atinge várias comunidades em Aracaju, notadamente, bairros novos que surgiram onde havia antigas invasões. São locais planejados, mas que ainda sofrem várias carências porque a burocracia e o tal planejamento nem sempre andam de mãos dadas com o bom senso. Tais bairros já contam com ruas nomeadas e casas numeradas, mas falta empenho da Prefeitura para que finalmente possam existir no mapa.
 
Nos dias de hoje, em que a internet virou o meio de comunicação onipresente, parece ser retrógado que ainda haja gente dependente dos Correios. Mas a realidade é mais dura e mostra, sim, que tal serviço é essencial para comunidades mais carentes. Até para que os moradores possam empreender, eles precisam de um endereço correto.
 
“Sem CEP, eu não posso abrir meu próprio negócio de vender Natura porque eles não entregam encomendas onde não há endereço cadastrado nos Correios. Mesmo que eu retire os produtos que revendo na sede da distribuidora, eles exigem endereço com o código, pois podem desconfiar que seja fraude. A gente se sente como um crimimoso, tendo que provar que mora num lugar que realmente existe”, desabafa a manicure Soraia Brandão.
 
Na falta de endereço válido, os moradores recorrem a parentes ao amigos na hora que precisam enviar uma encomenda ou recebê-la. “A gente tem que arranjar uma outra pessoa com endereço correto para poder mandar encomendas. Não basta não receber, o CEP também é exigido na hora de ser o remetente. A gente vive como se não existisse. É horrível depender dos outros até para isso. Ter um endereço é questão de dignidade também”, lamenta a dona de casa Janete Costa.
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Janete Costa: endereço é questão de dignidade


Critérios
 
Essa mesma situação se repete no Bairro 17 de Março, comunidade que já existe há uma década, e nunca teve serviço regular dos Correios. Os moradores culpam a violência no local pela ausência de entregas. “A Schin entrega produtos aqui com escolta de seguranças”, diz o comerciante Moisés dos Santos.
 
Os Correios admitem que carteiros já foram assaltados na região do 17 de Março e Bairro Santa Maria. No entanto, a empresa afirma que as entregas não são feitas nessa localidade porque ela não atende aos critérios mínimos exigidos pelo Ministério das Comunicações.
 
As ruas precisam ser nomeadas e as casas numeradas para que a empresa designe um Código de Endereçamento Postal (CEP) para as vias. O trabalho de regularização é de responsabilidade da Prefeitura de Aracaju. Os Correios alertam que já oficializaram o poder público para que ele criasse os endereços, que já existem informalmente, muitas vezes criados pelos próprios moradores. O processo de nomeação de ruas também depende de aprovação da Câmara Municipal.
 
“O que falta mesmo é boa vontade, pois moramos aqui há anos e essa situação nunca se resolveu. Se a conta de luz chega, por que as que dependem dos Correios não? Isso já devia ter sido definido quando o bairro foi entregue, quem recebia a chave das casas já devia ter o endereço todo certinho. Mas a gente mora no Brasil, né? Aqui as coisas só se resolvem depois, e do jeito que só complica a vida de quem precisa”, indigna-se o cabeleireiro Wanderson Lima, mostrando como o país funciona de verdade.
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17 de Março: há uma década sem Correios