Reportagem | 08 de Jan de 2018 - 07h01

Um mar de desordem

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Estrutura de bares enferrujada: praia feia


Quem é sergipano, com certeza, já deve ter ouvido o slogan meio bairrista que afirma que Aracaju tem a “orla mais bonita do Brasil”. Realmente, a Praia da Atalaia oferece diversas opções de lazer, gastronomia, compras e tudo isso num bem executado projeto urbanístico. No entanto, basta o visitante por os pés na areia para começar um festival de descaso, que em nada condiz com a beleza do local, e os elogios exagerados. A verdade é que não só ali, mas também ao longo dos quase 30 quilômetros de litoral da capital, só rola abandono. Sobra falta de estrutura!
No caso da Atalaia, o banhista começa a enfrentar transtorno até para chegar perto do mar. Como a faixa de areia é muito extensa e a água fica distante, tem-se que caminhar na terra quente por quase 100 metros. Há passarelas, que supostamente facilitam o acesso, mas elas só vão até parte do caminho, depois é confiar na sola e no improviso. Garçons dos bares molham o terreno e criam caminhos úmidos por onde os visitantes andam sem escaldar os pés.
As tais passarelas estão muito danificadas, com buracos e tábuas soltas. O Governo do Estado começou a recuperá-las e  até inaugurou um nova, próxima ao final da Passarela do Caranguejo. Mas o interessante é que isso começou a ser feito em plena alta estação, o que demonstra total falta de planejamento. Quem caminha pela que sai do fundo dos Arcos da Orla dá de cara com buracos e uma placa de “homens trabalhando”.
Quando, finalmente, o banhista chega à praia, tem que se segurar para não precisar usar o banheiro, pois terá três opções nada cômodas. Aliviar-se no mar; caminhar todo o percurso de volta até o calçadão ou recorrer aos banheiros químicos. E é nessa última alternativa que se percebe a precariedade da estrutura da praia.
Os banheiros químicos foram instalados pelos donos de bares, que restringem o uso deles a quem não consome no local. “Vira uma confusão porque o frequentador acha que é banheiro público. Eu tenho que manter o meu trancado e dou a chave aos clientes. Aqui não tem banheiro (público). Essa é a principal reclamação dos banhistas”, revela a comerciante Tamara Nascimento de Souza.
Os comerciantes pagam à Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb) uma taxa mensal de R$ 36, que lhes dá o direito de explorar os quiosques públicos e de ter o lixo recolhido, mas esse dinheiro, segundo os donos de bares, é jogado fora, pois eles não veem benefícios.
“A coleta de lixo é um problema constante. Ela demora e nem sempre é feita de forma regular. Nós não temos energia nos bares, então temos que nos virar comprando gelo para armazenar os produtos perecíveis, que não podem ficar guardados aqui. Temos que pagar ainda R$ 90 por semana para ter banheiros químicos. Fora que a estrutura dos quiosques está abandonada há anos só na promessa de reforma. Meus clientes reclamam sempre do abandono”, desabafa a dona de bar Tamara.
A estrutura de lona e metal que abriga os bares nunca foi reformada em mais de 30 anos desde a instalação. Os quiosques estão quase desabando carcomidos pela ferrugem. Vários comerciantes preferiram improvisar estruturas, acrescentando puxadinhos de madeira aos antigos espaços. A clara falta de padronização enfeia a praia.
“Aqui é assim faz tempo. Entra prefeito e sai prefeito e nada muda. Todos dizem que têm projeto pronto, mas faltam recursos. Nós não estamos aqui de graça. Só queremos o melhor para o nosso público”, lamenta o garçom José Antônio Maia. 
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Tamara: briga pelo banheiro químico


 
Segurança
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Lixo e abandono na Aruana


Outra preocupação constante dos banhistas é com a falta de segurança. Durante a visita do portal Sergipe Agora ao litoral de Aracaju, não foi vista uma viatura sequer da Guarda Municipal ou da Polícia Militar fazendo ronda nas praias. O que parece irônico, visto que há um Batalhão da PM em plena Orla.
“Eu morro de medo de ser assaltada aqui. A gente fica apreensiva até de mexer no celular na praia porque não tem ideia de quem pode se aproximar. Falta policiamento”, diz a dona de casa Valdilene Moura.
A ausência de policiamento também leva receio a quem frequenta a Praia da Aruana, no trecho conhecido como banho doce. O local é deserto, sem bares, e muitas pessoas que fazem corrida no local já foram vítimas de ou flagraram situações de violência. Há um ano, uma turista foi estuprada no local.
“Aqui não é seguro. E também falta uma reforma para valer. A estrutura do chafariz do banho está toda derrubada. Só não está pior porque improvisaram uma tábuas para tapar o buraco da passarela”, afirma o comerciário Thiago Cruz.
No ano passado, entidades de defesa de pessoas com deficiência denunciaram o abandono da passarela do banho doce. Um buraco impedia qualquer acesso de cadeirantes ou de pais com filhos pequenos em carrinhos ao chafariz e à praia. Tábuas foram colocadas, no improviso, mas o local está longe de ter estrutura.
“Está tudo velho e acabado. A coleta de lixo também é ruim. Não há latas de lixo, banheiros, iluminação decente nem espaços de lazer. Uma praia linda dessa está entregue ao abandono. Quem ainda vem aqui não demora, ou só aparece de passagem”, diz a artesã Renata Carvalho.
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Thiago reclama do banho doce abandonado


Esgoto e elefante-branco
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Arena multiuso virou ruína


Outra praia problemática é a chamada “Orlinha da Coroa do Meio”, que tem o nome verdadeiro de Praia dos Artistas. Mas ela bem que poderia se chamar de “Praia do Engodo”, pois a impressão que se tem é que a incompetência do poder público decidiu veranear por ali.
Há quatro anos, a administração do então prefeito João Alves Filho prometeu construir no local uma arena esportiva multieventos. Também foi elaborado uma projeto megalômano, assinado pelo arquiteto Eduardo Carlomagno, o mesmo que projetou a Orla da Atalaia, com bares de arquitetura arrojada e até um mirante futurista, que parecia um disco voador.
Obviamente, nada disso saiu do papel. A falta de recursos fez a Prefeitura abandonar os projetos. No local, ficaram o alicerce da arena e um canal de esgoto, que nunca foi drenado. Um horrível elefante-branco. Os bares continuam os mesmos de sempre, sem padrão.
“Venho pouco à praia, escolho aqui porque é mais perto do Centro, mas, fora os bares, não vejo estrutura. O que mais sofro é com a falta de banheiro. Se você não consumir algo nos bares, não pode usá-lo. Esse canal aí também tem dias que, com a temperatura mais alta, fica com um cheiro forte de esgoto”, diz a dona de casa Nataly Muniz.
Outro aspecto que denota descaso é a ausência de placas alertando para o risco de afogamento. A Praia dos Artistas é considerada a quarta mais perigosa do Brasil, em ranking elaborado pelos grupamentos de Corpos de Bombeiros de todo o país. “Quem alerta é a gente que está aqui direto. Mas a gente não pode evitar o pior”, lamenta o garçom Juvenal Silva.
 
Coisa de rico
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Quase 30km sem nenhum equipamento público


As praias com melhor estrutura na capital ficam ao longo da Rodovia Inácio Barbosa, antiga José Sarney. Mas se o banhista procura espaços públicos de lazer gratuitos ali é bom dar meia volta. Não há quadras, calçadão, banheiros. Toda as atrações estão em bares particulares, em que se paga caro para ter acesso a essas comodidades. Ou seja, ir à praia é algo elitista em Aracaju.
“Você pode até ir à Sarney de ônibus e fazer farofada na areia, longe de todos, mas não encontrará banheiro, nem água doce, nem estrutura para praticar esportes, nem local para se sentir seguro. Se quiser o mínimo de conforto, tem que sentar num bar particular e pagar. Não é exagero dizer que as melhores praias de Aracaju são pagas!”, lamenta o servidor público Irineu Chagas.
O Governo do Estado até tem um projeto de revitalização de toda a extensão da Sarney, orçado em R$ 30 milhões, com recursos do Prodetur. A obra, feita em quatro etapas, pretende dotar a orla com equipamentos de lazer e estrutura pública, como salva-vidas, banheiros e novos bares.
O Governo não fala em prazos de início e conclusão da obra, e o projeto necessita de aval do Ministério Público Federal, que acompanha cada etapa, para evitar ocupação irregular de terrenos da União e crime ambiental. Pelo visto, não é exagero apostar que ela possa virar mais um castelo de areia no litoral de Aracaju.