Tipos Sergipanos | 14 de Dez de 2017 - 10h12

A Dondoca da 13

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Toda capital brasileira possui uma região em que seus habitantes acabam se transformando em definidores do jeito de ser da cidade. São Paulo, terra de tantas tribos, tem nos Jardins e na área da Avenida Paulista seus yuppies engravatados e motoboys desvairados; todos num corre-corre maluco, como coelhos de Alice. O Rio possui Copacabana, das popozudas, dos malhadões, das travecas e do jeitinho brasileiríssimo. E Aracaju, capital nacional da qualidade de vida e do egocentrismo, tem como legítima representante a dondoca da 13 de Julho.
 
Ser dondoca na 13 é diferente de ser uma perua qualquer, aqui não importam o berço nem a condição financeira, basta adotar a filosofia de vida dos moradores: suba no seu pedestal e passe a olhar o mundo de cima para baixo.  Dito isso, percebe-se que gente pobrinha ou vinda de outros locais também pode receber o título de dondoca.  A própria geografia do bairro, com suas galerias de butiques chiques e altos edifícios, propicia o habitat natural para essa espécie. Cada local do espaço urbano vira um tubo de ensaio para as mais generosas demonstrações de amor ao próximo que uma perua aracajuana é capaz. Para começar a entendê-la nada melhor que ir às compras.
 
O Supermercado
 
Peruas, de uma maneira geral, amam templos do consumo. Aqui em Aracaju não seria diferente, mas as queridas penosas da 13 adotam uma maneira peculiar de fazer as suas compras mais ordinárias. Perua que se preze na zona sul aracajuana faz feira de mês no supermercado. Afinal, quer lugar melhor para exibir seu  iPhone novinho? Se for gritando no caixa enquanto a fila serpenteia por vários metros, melhor ainda. É no supermercado que se percebe que a dondoca não sabe contar muito bem. Pois ela chega empurrando o seu carrinho abarrotado de compras, quase transbordando, e sem nenhuma cerimônia, leva-o até o caixa, onde está um letreiro que diz, em letras vermelhas: máximo de 20 volumes. Bem perspicaz nossa bípede. Ela achou que o volume se referia ao do celular. Daí a voz tão alta. 
 
O show de solidariedade não termina aí. No estacionamento, seu carro está muitíssimo bem estacionado ocupando 2 vagas, isso quando não está na de deficiente. Para que andar até uma vaga mais longe? Gastar o salto agulha? Nem pensar!
 
As mais pobrinhas não ficam atrás. Se não tem carro, nem dinheiro para pagar o Uber, elas adotam um carrinho de compras. E o levam pela rua até o prédio onde moram. Elas podem não ter carro do ano, mas tem um personal-empurrador de carrinho. Pobre coitado que tem que, no final do dia, circular pelo bairro levando os carros de volta ao supermercado. Chiquérrimo, nem em Paris se vê tamanha mordomia! Mas tanta elegância não se aprende na Socila.
 
A escola
 
Como é linda a interação dondoca e prole. E não tem melhor lugar para apreciar a transmissão de valores entre mãe perua e filhos que na volta da escola para casa. A mãe coruja não pode desgrudar dos filhotinhos nem um minuto. De tão zelosa só consegue pegá-los bem em frente ao portão principal do colégio. Não importa se para isso ela para no meio da rua em fila dupla, ouve buzinas, xingamentos. Vale tudo para ter seus rebentos lindos, leves e seguros dentro do carro. Mais uma vez, andar para quê? Fazer os filhos gastarem a sola do All Star?
 
Mas para ser uma penosa da 13 não precisa ir à escola. O aprendizado é baseado na repetição, quase como num processo behaviorista. De tanto ver seus semelhantes fazendo as mesmas coisas, as habitantes da 13 de Julho acabam se condicionando e, sem sentir, estão fazendo a mesma coisa. Um bom exemplo disso, são as domésticas, que viram dondocas do baixo clero, criadas à imagem e semelhança de suas patroas. Elas também roubam carrinhos do supermercado, levam os filhos da chefa para a escola, falam alto no celular e são consumistas. Seu reforço é ganhar um almoço grátis com a família dos patrões nos finais de semana no shopping, ou uma roupinha mais fashion, usada, diga-se de passagem, no fim do ano. Suas colegas de batente morrem de inveja e chegam a se perguntar por que as suas patroas também não lhes dão mimos surrados. Mas mais importante que o presente é a embalagem. As funcionárias do lar adoram circular pelas calçadas com uma sacola de butique reutilizada como bolsa.
 
A calçada
 
Espaço público por excelência, a calçada, na 13, adquire outras funções. A primeira, e mais fedorenta, é servir de banheiro de cachorro. Sim, toda perua da 13 de Julho que se preze tem que ter um totó adestrado para somente se evacuar em céu aberto, de preferência perto de um pé de um amigo transeunte desavisado. A calçada também se presta a um papel bem mais interessante: virar passarela. As dondocas da 13 não são muito de andar, mas, quando o fazem, adotam o calçadão do bairro como meca. Aqui elas aproveitam para ver e ser vistas. Todas trajando suas malhas e ouvindo música com fones, elas partem num passo constante pela margem do rio, só param para uma água de coco ou para falar do alheio. Esse sim, o verdadeiro esporte das madames. Para que andar se não for para reparar que Fulaninha de Tal, recém-separada, está de love novo e de rostinho colado ao dele apreciando a vista no Mirante do Calçadão? Por sinal, toda e qualquer interação social da perua da 13 gira em torno do disse-me-disse. É sempre Fulaninha que mora ali, perto da Sementeira, que ficou com não sei quem no último show do Wesley Safadão, ela já tinha namorado Sicraninho, que tem uma Hilux, ele batia na namorada, que, de raiva, quebrou o pára-brisa do carro dele, ele, agora, namora essa menina que está de rosto colado ao dele. Ufa! Tanta informação que é melhor voltar para casa.
 
A casa
 
A dondoca da 13 não baixa a guarda nem quando está no lar doce lar. Aqui, ela banca a fêmea voraz que conquistou o macho alfa. Pois o que seria da perua sem o maridão? Ele tem que ser de preferência bem mané, para aguentar calado às treze horas diárias que ela passa ao telefone, e pagar tudo com o cartão de crédito dele sem pestanejar, incluindo aquela conta de trezentos reais no salão. Isso quando a perua não traz a manicure para casa. A dondoca da 13 ama uma open house com representantes do setor terciário. É manicure pela manhã, jardineiro às 13h, passadeira às 15h, mulher que vende Natura à tardinha. Isso quando a anfitriã não trabalha fora. Sim, existem dondocas que ganham seu próprio dinheirinho. Mas para essas, o trabalho tem uma função de trampolim. É o local ideal para soltar no colo de algum mané. Nada melhor do que conquistar um marido que já tenha um emprego estável, ganhe bem, e seja, de preferência, seu chefe.
A rotina familiar se divide entre cuidar dos filhos, fofocar no telefone, ir ao supermercado, falar no celular, ir ao salão, atender o celular em fila dupla enquanto tenta enfiar o carro numa vaga minúscula em frente ao salão, sair para fazer Cooper (com o lulu na coleira e telefone no ouvido) e, à noite, olhar para o bocó que paga tudo e dizer que está com dor de cabeça. Para que caminhar para os braços do amado quando se pode tomar um Dormonid e correr para Morfeu? Nisso toda dondoca é igual. O tarja-preta é sempre o amigo certo para as horas incertas.
 
Mas a relação com o sexo oposto é mais para fazer tipo de mãe-de-família bem casada do que para garantir um pé-de-meia. O marido tem que ter emprego, mas serve qualquer um. Ser rico é detalhe, o que importa é a imagem de casal ternurinha. Se o casal não tiver posses para comprar aquele TV de plasma à vista, poderá sempre recorrer a um crediário. Peruas da 13 agradecem de joelho pelo parcelamento no cartão e o empréstimo consignado em folha. Pode-se dividir à vontade, o importante é ter o bem aqui e agora. Incluindo aí as tão merecidas férias de final de ano, ou do meio e do final de ano. Dondoca fina mesmo tem que viajar pelo menos 2 vezes por ano, sem contar os feriadões em alguma praia badalada, mesmo que ela fique numa pousada pebinha. O que importa é a viagem em si. Ter ido, visto e poder contar tudo às amigas de salão.
 
Viagem
 
Quem vê a dondoca de 13 andando altiva no seu salto, ou empurrando o carrinho em direção à vaga de deficiente nem pode imaginar que ela pode cair dele e perceber que nem todos se curvam diante de sua empáfia. Isso só acontece, obviamente, fora dos limites da 13 de Julho, quando ela viaja. Em Aracaju, ela ainda detém um certo ar superior por advir de um bairro considerado bacana. Somente quando está além divisas é que a metida sofre ao ver que o mundo não gira em volta dela. Quando está em São Paulo, até tenta paquerar os engravatados da Paulista, mas eles não dão bola para alguém tão fútil, ou que não é capaz de levar a bandeja até o lixo quando come no shopping. Querem uma mulher com quem possam construir um futuro, de igual para igual. No Rio, o corpo malhado na Bedeu pela dondoca não é páreo para as funkeiras locais. Peruas, até existem lá, mas elas já nascem assim, vem do berço ou acaba se adquirindo com certo talento. São socialites, herdeiras, atrizes globais, ex-BBBs. Às nossas peruas de laboratório, só lhes resta voltar para de baixo da redoma chamada 13 de Julho e seguirem suas vidas bitoladas. Como ratinhos de Skinner. Andar para quê? Não vão muito longe! 
 
ARTE : DONDOCA