Editorial | 31 de Jan de 2018 - 04h01

Globo e você, nada a ver

IMG_5211.JPG

A maior novidade no Jornalismo da Rede Globo em 2018 é a exacerbação da modinha de buscar, de todas as formas possíveis, a interação com o telespectador. Depois do avanço das redes sociais, que é de onde boa parte das pessoas toma conhecimento das notícias, a ordem na emissora carioca parece ser clara: dar voz ao público, mesmo que isso seja feito de acordo com as regras dela, contrariando a razão de ser da própria internet. Resultado: está formado o maior mico televisivo do ano.
Como parte da cobertura das eleições para presidente deste ano, a Globo pediu aos seus telespectadores para gravar vídeos de 15 segundos tendo alguma paisagem significativa da cidade onde a pessoa mora como fundo da cena. Quem grava o filmete deve responder a pergunta “que Brasil você quer para o futuro?”. O que poderia ser pitoresco, acabou virando motivo de críticas e serve como uma aula perfeita de como o Jornalismo da poderosa rede de TV ainda não aprendeu a lidar com a internet.
Para começo de conversa, a pergunta formulada aos telespectadores é de uma falta de lógica semântica imensa. Ora, o futuro é algo abstrato, idealizado, inatingível e até carregado de interpretação pessoal, então por que esse ente difícil de definir deve querer o Brasil? Por que é o país que tem que se moldar para ser dado ao futuro, essa figura que ninguém sabe ao certo o que é? O mais correto seria usar a frase da seguinte forma: “que futuro você quer para o Brasil?”. Assim, cada pessoa poderia dar sua interpretação de futuro, e adaptá-lo a sua realidade brasileira. Dessa forma, o indivíduo adapta seu desejo ao local onde mora, de forma a aprimorá-lo. Futuro, nessa acepção, confunde-se com desejo, vontade de mudança. A frase, portanto, ganha concretude! Simplificando mais ainda, a pergunta poderia ser só: “o que você deseja para o Brasil?”.
Definida a questão vem, agora, o maior erro da Globo ao propor os filmetes. Em plena era da internet, não cabe à televisão ditar regras do que o público posta ou não. Ele é livre para ele mesmo carregar vídeos no YouTube ou Facebook ou compartilhá-los no Whatsapp. Quando a TV impôs que somente lugares “bonitos” fossem usados como fundo das filmagens provocou uma reação adversa. Uma enxurrada de vídeos invadiu as redes sociais em que pessoas mostravam obras inacabadas, esgoto a céu aberto, tiroteios, enfim, cenários do Brasil real, que a Globo quis ignorar na sua campanha.
A Globo ainda não aprendeu que o papel de gatekeeper que o meio de comunicação possui está relativizado na era da internet. A rede pode escolher o que vira notícia, mas não pode deter a reação que isso gerará no universo da web. Moldar o público já habituado a lidar com a liberdade das redes sociais para que ele participe da brincadeirinha global parece retrocesso. Por isso, houve a reação negativa às regras. A TV não entendeu que, ao exigir cenários bonitos, ela estava fazendo o telespectador indagar: se eu não posso postar os vídeos do jeito que eu quero, qual a vantagem então de participar dessa baboseira?
Diante da reação, a Globo já mudou o texto, agora no telecurso de como fazer os vídeos, exibido à exaustão nos jornais da emissora, já dizem que o telespectador pode enviar cenas de “qualquer coisa que represente o lugar onde ele mora”, incluindo, portanto, mazelas. Ainda não se sabe como a rede irá utilizar o material enviado. Se ele servir como combustível para pautas interessantes, será bem-vindo, mas se for somente para exibir as carinhas de brasileiros ávidos para aparecer no JN entre uma passagem de bloco e outra, terá sido uma grande perda de tempo. Afinal, para exibição, o Instagram já funciona melhor, e tem feedback imediato.
A TV tem que parar de disputar com as redes sociais tentando fazer o que elas já fazem. A função do Jornalismo é informar e usar a interação do público como matéria. Público leigo não é repórter, por mais que ele tente ser o tal na internet. E a TV tem que se valorizar nesse sentido, não tentar ser um novo Facebook, porque a dinâmica é diferente. Chega de pagar mico, Rede Globo!