Editorial | 18 de Jan de 2018 - 03h01

Lula, um caso de amor

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É fácil perceber por que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva desperta defesas acaloradas sempre que é criticado ou quando as acusações de corrupção chegam cada vez mais perto dele, ou acabam confirmadas, como quando ele foi condenado a 9,5 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelos julgamentos da Lava Jato em Curitiba. Lula será agora julgado em segunda instância, juízo em que apela, com audiência marcada para a quarta, 24. Sem dúvida, o dia mais importante do ano, porque dele depende o andamento do processo eleitoral de 2018.
Lula tem uma história de vida que gera empatia em qualquer brasileiro. Foi pobre, não estudou, mas venceu na vida, depositou em si a esperança de mudança política num cenário em que só membros da elite chegavam lá. Já eleito, teve a sorte de surfar na estabilidade econômica introduzida pelo antecessor, manteve, pelo menos em seu primeiro mandato, o compromisso de austeridade fiscal e viu o país nadar em dinheiro graças ao boom das commodities no mercado externo.
Fazendo uma nova classe média surgir, com poder de compra e crédito fácil, seu poder de sedução foi irresistível. Como não se apaixonar por quem dá casa, carro, roupa lavada, tudo parcelado a perder de vista e em juros subsidiados abaixo do mercado pela Caixa e Banco do Brasil? Quem liga pra rombo no orçamento quando tem TV HD de 42 polegadas?
E quando se está apaixonado, podem-se perdoar pequenos deslizes do amante. Deslizes éticos, uma traição, uma escapulida, uma fraqueza, até um concubinato com o PMDB, com Maluf, com Sarney. Perdoa-se até um ménage a trois com Odebrecht , OAS e Camargo Correia no lupanar da Petrobras.
Lula foi perdoado em nome da paixão, que cega, que embaralha a consciência, e pela economia que andou bem e gerou uma sensação de riqueza, ainda que efêmera. Isso ofuscou até o Mensalão, que não foi suficiente para evitar a reeleição dele em 2006. Isso dá um nó na cabeça! Como condenar quem aparentemente só fez bem? Como Dizia Freud, o pai da psicanálise: "A consciência não se aplica a nada que seja feito por amor ao objeto”, ao Lula, nesse caso.
A paixão pelo homem que matou a fome e permitiu o povão ter Fiat Uno ultrapassa a razão. E daí não adianta apelar para a realidade, ela é suplantada pelas narrativas, sempre falsas, desculpas inventadas pelo conquistador pego com o batom na cueca para engabelar e subjugar o amante.
Moro condenou Cunha; Aécio e Temer estão nas garras do STF; Henrique Alves, líder do DEM, também está preso. A cúpula do PP foi parar toda na cadeia. Não! Isso não serve! O que a Lava Jato quer é prender Lula e tirá-lo da eleição de 2018, mesmo que a investigação tenha começado antes de Dilma ser reeleita.
O delírio da fuga da realidade por causa da paixão que cega vai além: "Lula foi condenado sem provas", apressam-se a dizer os que o idolatram, mesmo que nem tenham lido uma linha sequer da sentença de Moro. Não interessa! Para os amantes, o crime de ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro deveria deixar rastro com escritura assinada e registrada em cartório em nome do ex-presidente! Agora inventaram até que hipoteca altera posse, algo que foi tratado pelo juiz na sentença, mas, pelo visto, todo apaixonado ignora.
Mas esse amor obsessivo é correspondido por Lula? Existem diversas formas de amar, a por interesse é uma delas. O homem que alimentou o sonho de milhões ainda apela ao mesmo discurso de quando iniciou na política há quase 40 anos. Ele sabe que sua melhor saída dos deslizes éticos que cometeu ainda é apelar ao sentimento, à paixão, à manipulação, mesmo que o jogo de sedução seja para salvar a própria pele. Dará certo dessa vez? Ainda haverá Amélias, a perfeita mulher de malandro, que são traídas, mas perdoam sempre? Como dizia o escritor Nelson Rodrigues, um especialista em amores e traições, "amar é dar razão a quem não tem"!