Reportagem | 19 de Dez de 2017 - 09h12

Tradição Natalina

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Imagem típica do Natal em Aracaju


Esqueça a iluminação cafona na Praça Fausto Cardoso, ignore a chegada do papai-noel nos shoppings. A imagem que melhor traduz o espírito natalino em Aracaju já se reproduz há quase uma década no canteiro da rótula entre as avenidas Hermes Fontes e Adélia Franco, na Zona Sul.
Ali, em pleno relento, não há luzes decorativas, bom velhinho ou presentes embrulhados, só há famílias carentes, que se mudam com o pouco que possuem para passar o mês de dezembro inteiro mendigando no local, na confiança de que o clima de solidariedade, tão aflorado nesta época do ano, faça-as ter uma renda extra.
São cerca de dez famílias. Cada uma delimita seu espaço no meio do jardim do canteiro. Armam barracos, carregam carrinhos de supermercado com os poucos pertences e improvisam banheiros atrás de arbustos de hibiscos e espirradeiras. Quem passa pelas vias ao redor mal percebe a pequena comunidade que surgiu em meio ao tráfego intenso.
“Eu deixei meus cinco filhos com minha mãe no Santa Maria e vim para cá. A gente passa o dia aqui, esperando a solidariedade dos outros. Nesta época, é bom porque tem gente que já sabe que ficamos aqui direto, aí trazem cesta básica, roupa, comida, trocado”, diz Amanda Aparecida, grávida de cinco meses, explicando a preferência pelo cruzamento da Adélia Franco.
A maioria das pessoas que fica no canteiro é de mulheres, quase todas acompanhadas dos filhos menores. As que têm marido afirmam que eles trabalham de dia em outra atividade, como pedreiros, carroceiros ou catadores de material reciclável. “Mas eles vêm também para cá, até como forma de proteger as mulheres quando começa a ficar escuro e à noite para a gente não ser roubada. Quem está aqui respeita o outro, mas a gente não sabe a intenção de quem pode aparecer de repente”, teme Amanda.
 
 
Família inteira
 
Ricardo Santos Melo, desempregado, é um dos poucos homens que ficam no canteiro pelo dia. Ele se mudou do Bairro América para a Hermes Fontes com  a mulher e três dos cinco filhos. Sincero, ele admite que, em anos anteriores, conseguia mais dinheiro. “Povo anda de bolso vazio, né? Tanto que aqui não tem mais gente de outras cidades não. Não compensa a viagem”, diz.
Se, em anos anteriores, a maioria dos acampados do canteiro era de pessoas vindas do interior ou de outros estados, isso não tem se repetido em 2017. A maior parte agora é do Santa Maria. Poucos passam a noite na Hermes Fontes. “Quem fica é por medo de perder o que trouxe para cá”, diz a dona de casa Ana Melo, que, embora garanta que não põe os filhos menores para pedir, estava tranquilamente deitada numa esteira, enquanto as crianças tentavam conseguir alguma moedinha no sinal.
 
Que ajuda?
 
Os acampados garantem que preferem a ajuda voluntária, vinda de pessoas que já sabem que eles estão sempre por ali e trazem donativos. Outros complementam as doações com dinheiro ganho limpando os vidros de carros ou pedido no sinal. Todos os entrevistados garantem que nunca foram procurados por ninguém da Prefeitura de Aracaju ou do Governo do Estado.
“Ninguém nunca veio aqui. E, cá para nós, é melhor que não venham não! A gente quer cesta básica, roupa, e não conselho. Isso a gente já não quer ouvir, porque sabe como é sofrer para estar aqui”, desabafa Edivânia Santos, a campeã de filhos entre os acampados, com oito crianças, mas nenhuma delas estava no canteiro. “Deixei com a avó”, explica.
O desempregado Ricardo estava em companhia da esposa Joseane, dona de uma das histórias mais sofridas entre os ocupantes. Ela diz que passou a pedir dinheiro no cruzamento porque a filha mais nova, de dois anos, teve que ser internada às pressas no Hospital de Urgência de Sergipe (Huse) com problemas neurológicos causados pela microcefalia.
“Remédio é caro. Isso aconteceu de repente! Minha menina passou seis dias internada, mas já está saindo, graças a Deus! Isso pega a gente de surpresa, de uma hora para outra, quem vive de dinheiro contado não pode ter despesa assim. Ainda bem que, nesta época do ano, ainda dá para contar com isso aqui”, admite Joseane Melo.
 
O que é Natal?
 
Apesar das dificuldades, todos os acampados veem o Natal como uma data especial. Uns ressaltam o clima de festa e outros a fato de poder reunir a família. “Acho uma festa boa, a gente ganha coisas dos outros, não dá para dizer que é um dia comum”, diz Edivânia Santos.
Ricardo afirma que o Natal de 2017 será melhor porque no do ano passado o pai dele havia morrido, mas o fato de ter que ir ao canteiro o entristece. “Mesmo sendo pobre, no Natal, é a chance de reunir todo mundo. É uma época boa e ao mesmo tempo não, porque a gente vive cada dia de cada vez. Às vezes, a gente tem que estar aqui porque falta algo dentro de casa, às vezes, a gente está melhor e não precisa vir. Essa incerteza é que dificulta a vida”, filosofa o desempregado.